segunda-feira, 30 de setembro de 2013

HÁ CERCA DE 54 ANOS OCORREU A TRAGÉDIA MARITIMA QUE ENVOLVEU O REBOCADOR “MARIALVA” E AS FRAGATAS “CANTANHEDE” E “MICAELENSE” AO LARGO DA BARRA DO DOURO

 Rebocador MARIALVA saindo a barra do Douro, finais da década de 40 / colecção F. Cabral /.

 Destroços das embarcações naufragadas que deram à costa entre Lavadores e Espinho / Imprensa diária /.

08/12/1959 - Sob um temporal desfeito, do quadrante noroeste, mar muito agitado e vaga alta, navegavam ao largo da barra do Douro, o rebocador MARIALVA, com o mestre Júlio Fernandes Parracho a orientar a manobra de navegação. Dava reboque à fragata CANTANHEDE, que transportava 9.200 sacos de cimento, e á MICAELENSE, que trazia 380 toneladas de sal. Procediam de Setúbal, tendo deixado aquele porto pelo entardecer de sexta-feira, com destino à barra do Douro, onde eram esperados, muito embora ali não pudessem entrar devido à barra se encontrar encerrada à navegação pela forte agitação do mar e corrente de água do rio.
Ao princípio da madrugada de ontem, deviam pairar em frente à capelinha do Senhor da Pedra, entre as praias de Miramar e Francelos, talvez um pouco descaídos a terra. É local bastante perigoso para a navegação, visto localizarem-se naquela zona os “Roncadores”, formando um fundo de pedra que se estende pelo mar dentro. Açoitadas terrivelmente pela procela, o MARIALVA, certamente com toda a potência da sua máquina, procurava atingir com as duas embarcações que rebocava o porto de Leixões, ali tão próximo, que seria afinal, o seu porto de salvamento dado o caso de, porventura, ali chegar…
Uma tragédia marítima estava prestes a desenrolar-se – rápida e fulminante – tão rápida que de bordo do rebocador, presume-se que não tivessem tempo de comunicar pela fonia a sua terrível situação, lançando um S.O.S. e, em poucos minutos, no meio daquele mar tenebroso, soçobraram o MARIALVA, a CANTANHEDE e a MICAELENSE, tragando as águas revoltas os dezassete homens que faziam as tripulações. Simplesmente dramático. Nem um único sobrevivente para relatar a fatídica tragédia.
O mestre do MARIALVA, Júlio Fernandes Parracho, de 57 anos, oriundo da Nazaré, e residente na rua Dois Amigos, em Leça da Palmeira, experimentado homem do mar, que há mais de vinte anos se entregava ao serviço de reboques na zona costeira, sabia bem a situação em que se encontrava o seu rebocador e as fragatas que conduzia. Pelos seus próprios recursos procurava safar-se de tão crítica posição, mantendo-se em comunicação durante a noite com os postos rádio costeiros. Numa transmissão com o navio-tanque SHELL ONZE, que viera a Leixões descarregar combustíveis líquidos, anunciava que estava a ser batido por voltas de mar alterosas e uma delas ter-lhe-ia apagado uma das bocas-de-fogo da caldeira!
Na gíria marítima teria um desabafo: - “O mar era um cão; entretanto, procuraria alcançar Leixões…”. E chegaria a pedir alerta aos pilotos para uma ajuda de entrada. Foram estas efémeras informações colhidas pela reportagem, na ronda de se desvendar um pouco da verdade sobre o dramático acontecimento marítimo. Se tivessem lançado um S.O.S. teriam talvez aqueles homens possibilidade de salvamento. Com aquele mar tenebroso – afirmaram-nos os práticos – não haveria meios eficazes de socorro, mesmo na hipótese da utilização de um helicóptero, se isso fosse possível, seria viável o salvamento dos náufragos, de noite, e com a vaga impetuosa a varrer a costa, a crescer ao longe, e ao largo.
No rondar dos ponteiros, a marcar o início da madrugada, deixou de ouvir-se a fonia do MARIALVA. De Leixões, a partir do dealbar, não se avistavam as três embarcações. Algo, ocorrera naquela avassalante noite de tragédia. A gente do mar, sempre em sobressalto com os prenúncios do mau tempo, receava o pior. Na realidade, alguns lares estavam de luto.
Os postos rádio costeiros estiveram em comunicação com os navios-motor ingleses MERCIAN e LUCIAN, que pairavam ao largo da costa. Os respectivos comandantes, em resposta, transmitiram que nada haviam encontrado nas imediações da área. A fatídica notícia do afundamento do rebocador e das fragatas confirmava-se pelos telefonemas, que cerca das oito horas de ontem começaram a chegar â capitania do Douro e à Corporação dos Pilotos. Diziam os informadores que estavam a ser arremetidos à terra os restos do costado dum navio.
O aparecimento destes destroços alertou as autoridades marítimas. Ao longo do litoral, entre as praias de Lavadores e da Aguda, o mar arrojava para o areal pedaços da fragata MICAELENSE, construída em madeira, e que fora completamente despedaçada. À praia de Francelos veio dar a maior parte do cavername daquela embarcação. Uma das baleeiras do MARIALVA também ficou varada na areia.
Entre os destroços que os cabos de mar recolhiam e procuravam identificar, encontravam-se coletes de salvação, boias da MICALENSE e da CANTANHEDE… Alguns dos coletes vinham com nós dados, pelo que tudo indica, que tivessem sido utilizados pelos náufragos!
O rebocador MARIALVA e a fragata CANTANHEDE, devido à sua construção ser em ferro, afundaram-se sem que fossem desmantelados pelo mar. Aquele rebocador – que ultimamente recebera grandes reparações – saíra pela última vez da barra do Douro em 10 de Novembro findo, levando a fragata COSTA NOVA, rumo a sul.
O afundamento das três embarcações devia ter-se desenrolado por volta da uma hora da madrugada; e assim se deduz pela falta de contacto, por meio da fonia de bordo, do MARIALVA, a partir mais ou menos daquele momento, com a navegação e postos costeiros. Como referimos, nenhum dos tripulantes conseguira sobreviver à lancinante tragédia.
Da tripulação do MARIALVA faziam parte, além do mestre Sr. Júlio Fernandes Parracho, domiciliado em Leça da Palmeira, os Srs. João Francisco dos Reis, de 40 anos, contra-mestre, do Algarve; Adolfo Américo da Costa, de 60 anos, maquinista, de Alfândega da Fé; Emídio Francisco dos Santos, de 49 anos, residente no bairro da Condominhas, Porto, e José da Silva Monteiro, de Canidelo, V. N. de Gaia, ambos fogueiros; António Joaquim da Silva Duarte, de 30 anos, chegador, de Canidelo, V. N. de Gaia; Joaquim Martins dos Santos, de 27 anos, de Alcochete, e Francisco Conceição Felício, marinheiros; e Lázaro Esteves, de 23 anos, moço de bordo, da Murtosa.
Segundo consta do rebocador, houve um tripulante que por qualquer motivo não embarcara na fatídica viagem, e graças a isso teve a grande felicidade de continuar vivo por muitos anos. 
Da fragata CANTANHEDE, era mestre há seis anos, o marítimo Domingos dos Santos Caturra, de 56 anos, residente nas escadas da Boa Passagem, em V. N. de Gaia, junto ao rio; e tripulantes, os marinheiros Alexandre Duarte Silva, de 49 anos, de Lisboa, e Manuel Joaquim Damiães, de 27 anos, de Alcochete; e ainda Francisco Maria Enguião, de 19 anos, de Ovar, moço.
Da fragata MICAELENSE, Francisco de Oliveira Enguião, de 57 anos, de Ovar, mestre; Joaquim Viegas Lameiro, de 38 anos, de Olhão, e António José dos Santos, marinheiros; e como moço embarcara José Luis Reis.
As famílias dos náufragos residentes no Porto, ao saberem do acontecimento, fizeram-se deslocar às proximidades do sítio onde se produziu o trágico sinistro, na ansia de encontrar os corpos dos seus entes queridos. A costa continuava a ser fustigada pelo temporal.
Entre as tripulações dos três barcos afundados, alguns são familiares. O fogueiro do MARIALVA, José da Silva Monteiro, era tio do chegador António Joaquim da Silva Duarte. O mestre da MICAELENSE, Francisco da Silva Enguião era também parente do moço da CANTANHEDE Francisco Maria Enguião. Alguns desses homens de mar serviam há muitos anos nas embarcações que se afundaram. O mais antigo era o mestre do rebocador.
Dos dezassete náufragos, só o corpo de um deles, pelas 11 horas foi arrojado à praia, perto de Miramar. Vinha completamente nu. Mais tarde foi identificado pela família. Tratava-se do mestre da CANTANHEDE, que foi piedosamente recolhido. Os Bombeiros Voluntários da Aguda, durante o dia e parte da noite de ontem, numa ronda permanente, procuraram localizar mais alguns corpos. Entretanto entre as praias de Francelos e de Espinho, não houve notícias de algum outro aparecimento.
Recorde-se uma tragédia semelhante ocorrida em março de 1954, ao largo do mar de Aveiro, em circunstâncias que não foi possível averiguar concretamente, soçobraram o rebocador NEIVA e a fragata que conduzia, a FIGUEIRA DA FOZ, que se empregavam também no tráfego costeiro, e seguiam na rota de Setúbal para o Douro, perecendo as duas tripulações. Curiosamente o rebocador MARIALVA, que de Setúbal vinha em viagem também para o Douro, sem qualquer fragata a reboque, alguns dias depois do desastre, viu-se envolvido nas buscas, e avisado pelo arrastão Espanhol RAPOLA, que avistara uma baleeira à deriva, e aparentemente sem sobreviventes, apressadamente dirigiu-se às coordenadas indicadas pelo RAPOLA, e encontrou a baleeira com o corpo do moço da fragata FIGUEIRA DA FOZ, que segundo parece havia sucumbido poucas horas antes, e que recolhido veio para o Douro, mal sabia o mestre Júlio Fernandes Parracho, que cerca de cinco anos depois, teria o mesmo infortúnio das tripulações do MARIALVA, CANTANHEDE e MICAELENSE.
As embarcações que ora se perderam pertenciam à empresa armadora Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio, Sarl, de Lisboa, e vinham consignadas ao agente no Porto, Almeida & Santos, Lda. A carga de cimento transportada a bordo da CANTANHEDE no valor de 270 contos, destinava-se à firma Costa Lima, Lda, e a carga de sal, no valor de 150 contos da fragata MICAELENSE, pertencia á firma Maia & Ferreira Leite, ambas do Porto. Tanto as cargas como as embarcações encontravam-se a coberto das respectivas companhias seguradoras.
E Leixões encontrava-se à vista, relativamente a escassas milhas, a pouco mais de uma hora de viagem, com o farol da Boa Nova a indicar o norte, fazendo refulgir, no horizonte marítimo, os seus “relâmpagos” luminosos, naquela noite avassalante, em que perderam a vida dezassete homens de mar.
O comodoro Quintanilha de Mendonça Dias, titular da pasta da marinha, estabeleceu contacto com a capitania do porto do Douro, interessando-se vivamente pela trágica ocorrência, e nomeando o capitão do porto para o representar nos funerais das vítimas.
As autoridades marítimas também tomaram contacto com o sucedido às duas fragatas e ao rebocador e às suas tripulações.
Segundo relato de um amigo, já falecido, que foi amador do mergulho, e já esteve dentro da casa do leme da fragata CANTANHEDE, que à altura se encontrava já alquebrada e com fortes amolgadelas no costado avante e a bombordo, a cerca de três milhas náuticas para oeste do enfiamento da barra do Douro e à volta de 27 metros de profundidade.
Dada as ditas amolgadelas no costado, posssivelmente ter-se-ia rebentado as repectivas amarretas, leva-nos a pensar que o rebocador tentou, apesar da forte ondulação de mau tempo, acostar à CANTANHEDE para recolher a tripulação, e a mesma operação em relação à MICAELENSE, a fim de se libertar dos rebocados, porque o mestre do rebocador para se safar, jamais deve abandonar a tripulação do rebocado à sua sorte, porque ficam à deriva, a não ser que façam uso dos ferros, que em certas condiçoes de temporal nem sempre dão o resultado desejado, indo de garra. Também terá havido a possibilidade, uma vez que o MARIALVA estava a ser batido por vagas alterosas, ter sido apanhado por alguma volta de mar descomunal, que lhe tenha desfeito a casa do leme, ou inundado a casa da máquina e as caldeiras, apagando o fogo das respectivas fornalhas, ficando sem meios de comunicação e indo à deriva colidir com a fragata CANTANHEDE, cujo casco era de ferro.



O rebocador ANTÓNIO FERRO no dia do bota-abaixo no estaleiro H. Parry & Sons, Ginjal. Não faltavam operários, completamente diferente da actualidade, que há quem só queira despedir trabalhadores e acabar com a construção naval, e ainda há entidades responsáveis que afirmam que Portugal é um país virado para o mar. Já foi há muitos anos!
Imagem amavelmente enviada por Nuno Bartolomeu, Almada.

MARIALVA – 26,10m/ 110,99tb/ 9,5nós; 1937 construido por H. Parry & Sons, Lda, Ginjal,  como ANTONIO FERRO para ??; 06/02/1946 MARIALVA, Pascoais Unidos, Lda, Porto (sede social Matosinhos); 1959 MARIALVA, Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio, Sarl., Lisboa.
CANTANHEDE – 40m/ 286,42tb; 1915 construído por Schiffswerft Oderwerk A/G, Stettin, Alemanha; 1946 CANTANHEDE, Pascoais Unidos, Lda., Porto (sede social Matosinhos); 1959 CANTANHEDE,  Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio, Sarl., Lisboa; 4 tripulantes.
MICAELENSE – 31,15m/ 222,98tb; 19__ construída por ??; 19__ MICAELENSE, Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada, gestores David José de Pinho & Fos, Porto; 1943 MICAELENSE, reconstruída por José da Silva Lapa, V. N. de Gaia; 1959 CANTANHEDE, Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio, Sarl., Lisboa; 4 tripulantes.
Fontes: Imprensa diária da cidade do Porto; Reinaldo Delgado.
Rui Amaro

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