sábado, 18 de setembro de 2010

UM CASO CARICATO NO PORTO DE XANGAI E A BLUE FUNNEL LINE

Um BlueFu fundeado algures num porto do Extremo Oriente – cartão postal de arte da Blue Funnel Line, Liverpool.


XANGAI é de facto um dos grandes portos mundiais, simplesmente fascinante, bem equipado e movimentado, que serve um grande hinterland da Republica, que se diz Popular da China, sobretudo através da extensíssima via fluvial que é o rio Yangtsé, e na verdade na Net pode-se deslumbrar de fascinantes slides e imagens, que assim o demonstram.

Pois é tudo muito bonito e eficiente, mas pena é, apesar de se ter modernizado e aberto ao mundo, ainda prevalecer naquele pais, parcos salários para os corajosos e produtivos trabalhadores Chineses, além de opressão, atentados aos direitos humanos e ao ambiente, interferência na liberdade de imprensa, existência de contrafacções, falta de segurança em certos locais de laboração, e ai é que faz falta umas poucas de “ASAES”, e por aí fora, apesar da China se ter tornado uma das maiores economias do mundo, portanto não há razão de assim continuar, e quem paga a factura são todos aqueles países que não podem competir salarialmente e economicamente com aquela poderosa nação do Extremo Oriente, e que se “agacham” a todas as suas exigências. Veja-se o caso do Dalai Lama, que quando visita qualquer país, o governo da “Populucha China” insurge-se logo, quase como “o quero, posso e mando” e aceita-se-lhe todas as exigência, e aqui em Portugal, segundo consta, os comerciantes das “lojas dos Chineses”, que são pessoas muito simpáticas e muito activas, mas que durante alguns anos não pagam impostos, e segundo rumores, quando termina o prazo de isenção, há que passar a loja para um familiar ou um compatriota para continuarem isentos, ao passo que a loja vizinha de um qualquer comerciante Português é obrigada a pagar impostos no duro.


PERSEUS e AUTOLYCUS em Leixões a 11/12/1971 – Foto Rui Amaro

Relacionado com o porto de Xangai, vou relatar o mais circunstanciado possível, dado que já se passaram alguns anos, um caso caricato, que li na imprensa diária e que também me foi contado, que se passou por volta de 1970 com dois navios mercantes Britânicos de cerca de 150m/8.000tb. Um deles foi com o ATREUS da China Mutual Steam Navigation Co. (Blue Funnel Lines/ Ocean Steamship Co./ Alfred Holt & Co), de Liverpool, que nessa viagem, como “water clerk” da agência consignatária Garland, Laidley atendi no porto de Leixões na rota “homeward”. Note-se que nessa escala do ATREUS, que atracou na doca 1 – cais Sul, havia um outro BlueFu à descarga no cais Norte.

Aconteceu que o BlueFu ATREUS meteu piloto e com este subiram a bordo alguns indivíduos, que supostamente faziam parte da classe dos zelosos “famigerados e facciosos guarda-vermelhos”, e o navio tomou o rumo do porto de Xangai, e como usualmente o fazia em qualquer porto, a sonda ia a funcionar e o praticante a oficial, ia anotando e informando a ponte dos respectivos valores. Note-se que os oficiais da Blue Funnel Line/Alfred Holt & Co, salvo raras excepções eram formados pela própria escola náutica da companhia, a AULIS, e além de um ou outro navio navegarem como navios-escola, o ATREUS também tinha no seu lotamento alguns praticantes.

http://www.bluefunnel.myzen.co.uk/bluefunnel/atreus/atreus.htm

http://www.lsinclair.btinternet.co.uk/atreus.htm

Tudo foi correndo de feição até à conclusão da acostagem, altura em que os ditos indivíduos deram voz de detenção ao comandante e ainda ao 1º engenheiro de máquinas, que por acaso ia na ponte de comando, tendo os mesmos sido levados para as instalações da policia, tendo ficado detidos, e parece que o navio chegou a ficar confiscado, e tudo isso por considerarem as sondagens realizadas como uma acção de espionagem. Está claro que houve imediata reacção do governo Britânico, através do seu embaixador em Pequim, e o caso começou a ser noticiado na comunicação social.


PELEUS navio de carga e passageiros – cartão postal de arte - Blue Funnel Line, Liverpool.


Completada as operações comerciais e libertado, o ATREUS zarpou apressadamente para o porto de Hong Kong, conduzido pelo imediato e 2º engenheiro de máquinas, que naquela colónia Britânica relataram o sucedido às autoridades e comunicação social, e ficaram a aguardar a soltura dos seus dois oficiais superiores, que entretanto foram libertados, e enviados para aquela colónia Britânica, onde retomaram as suas funções. Em face daquele incidente os navios Ingleses deixaram de escalar portos da China Maoísta.

Os BlueFu que começaram a escalar Leixões com muita regularidade na rota “homeward”, quinzenalmente, desde finais dos anos 50, tendo sido o DEMODUCUS um dos primeiros a fazê-lo. A partir da década de 60, por vezes juntavam-se dois, e uma certa ocasião foram mesmo quatro navios no mesmo dia, pelo que eu e dois colegas não tivemos mãos a medir. Esses navios, e os das aparentadas companhias Glen & Shire Line, de Glasgow, e NSM Oceaan, de Amesterdão, do grupo Ocean.

Esses navios nas suas escalas em Leixões (Lisboa escalavam muito raramente) descarregavam CKD (caixas com elementos de veículos da marca TOYOTA para montagem pela firma Salvador Caetano), além de mercadoria diversa, tal como borracha virgem enfardada para a Mabor, Fapobol, Firestone e ainda máquinas de escrever, fotográficas, filmar, televisores, vídeos e cassetes, louças orientais, brinquedos diversos, tecidos, vestuário, calçado desportivo, bambú, amianto, maquinaria industrial, chá, e o não acabar de produtos orientais. Mercadorias essas carregadas em Tokyo, Yokohama, Kawasaki, Moji, Nagoya, Osaka, Shimizu, Kobe, Kyoto (Japão); Pusan (Coreia do Sul); Xangai (China); Hong Kong/Macau; Taipei, Keelung, Kaohsiung (Taiwan); Manila, Cebu (Filipinas); Banguecoque (Tailândia); Singapura; Penang, Port Swettenham/Kelang, Malaca (Malasia), Colombo (Ceilão), e mercadoria variada baldeada de portos secundários, e a sua estadia em Leixões ia de um a quatro dias.

Os navios da Blue Funnel Line e da Glen Line na derrrota “outward” largavam usualmente de Liverpool/Glasgow, e os da NSM Oceaan de Amesterdão para o Extremo Oriente via Canal de Suez e na “homeward” regressavam pelo mesmo canal, escalando Aden para bancas, ou pelo canal do Panamá via Honolulu, escalando Curaçau para o mesmo fim, e eram viagens de cerca de três meses.

Durante o período do bloqueio do canal de Suez em 1967, devido ao conflito Israelo/Arabe, os navios passaram a realizar a rota do Cabo da Boa Esperança, escalando Durban para bancas. O canal somente foi aberto em 1975, altura em que os BlueFu AGAPENOR e MELAMPUS, que ficaram retidos no Bytter Lake completamente carregados, juntamente com navios de outras nacionalidades, foram libertados e acabaram por regressar à Europa. As suas tripulações eram revezadas de tempos a tempos e faziam navegar os navios no referido lago para as máquinas não engrenarem.


ASCANIUS em Leixões finais da década de 60 – Foto Rui Amaro


Também em finais da década de 60, devido à greve prolongada dos estivadores dos portos Britânicos, o ASCANIUS veio de Liverpool descarregar e abandonar cerca de 10.000 toneladas de carga, que mais tarde foi transportada para Liverpool em dois navios de outros armadores Ingleses, que se deslocaram a Leixões propositadamente, por conta dos respectivos importadores, tendo o ASCANIUS descarregado também pequenas partidas de carga destinadas a Leixões. O ASCANIUS regressou a Birkenhead, no Mersey, em lastro.

Algumas séries de navios construídos na década de 50 possuíam acomodações para 12, 18 e 35 passageiros, contudo com o incremento da aviação comercial as mesmas foram desactivadas, contudo já mais recentemente haviam dois paquetes destinados a outros tráfegos.

A companhia, que foi fundada em 1852, chegou a armar na sua enormíssima frota três navios-tanque (VLCC), TITAN, 1972/75, 332m/113.551tb; TANTALUS, 1972/84, 327m/120.787tb; TROILUS, 1974/75, 331m/141.284tb, tendo dois deles já acostado ao Posto A do Terminal de Petroleiros de Leixões.


PROTESILAUS em manobras de atracação em Leixões finais da década de 60 – Foto de Rui Amaro


Com a reabertura do canal de Suez em 1975 as quatro principais transportadoras de/para Extremo Oriente, Blue Funnel Line, NSM Oceaan, Glen Line e Ben Line, formaram o serviço convencional denominado BenOcean, utilizando navios da The Ben Line Steamers Ltd., de Leith, e continuaram a escalar Leixões com muita regularidade, agenciados à Casa Garland, Laidley até ao desenvolvimento da contentorização, se bem que ambos os grupos Ocean e Ben Line, já de há muito tempo operavam porta-contentores transoceânicos, nomeadamente no tráfego com o Extremo Oriente e a Austrália.


Navio-tanque TANTALUS / postal da Ocean Transport & Trading Limited, Londres /.


Parte da tripulação era Chinesa, nomeadamente marinheiros, azeitadores, copeiros e criados, e cheguei a trazer de bordo cartilhas vermelhas de Mao-Tsé-Tung que eles me deram, para pessoas amigas. Era um enorme risco, mas sempre correu bem!

http://www.theshipslist.com/ships/lines/bluefunnel.html

http://www.theshipslist.com/ships/lines/glen.htm

http://iancoombe.tripod.com/id25.html

http://www.merchantnavyofficers.com/bfhist2.html

Fontes: Memórias e Blue Funnel Line/ Grupo Ocean.

Rui Amaro

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

UMA DA PRIMEIRAS CONTRUCÇÕES DOS ACREDITADOS “ESTALEIROS NAVAIS DE VIANA DO CASTELO” REALIZADAS PARA O ESTRANGEIRO NO ANO DE 1959



A imagem obtida e enviada pelo amigo Jack Daussy, de Fécamp, um entendido e autor de várias obras sobre a indústria da pesca do bacalhau de França, nomeadamente por navios da pesca por arrasto, mostra o navio NOE, que durante a sua vida útil sofreu várias transformações, amarrado no porto de Lorient, recentemente, onde permanece desactivado.

A imagem não teria grande importância, se aquela embarcação, não tivesse sido uma das três primeiras construídas para o estrangeiro pelos acreditados Estaleiros Navais de Viana do Castelo em 1959 para as Ilhas Faroe, sob o nome de OLAVUR HALGI, juntamente com os gémeos LEIVUR OSSURSSON e VAGBINGUR.

O NOE foi comprado em 1999 pela Sté Carabin Sarl, dirigida pelo animador de televisão Olivier Chiabodo, que pretendia converter o NOE em estúdio flutuante de televisão itenerante, tendo os trabalhos sido iniciados em Lorient, contudo a totalidade dos financiamentos falharam, acabando por ficar arrestado.

http://naviosavista.blogspot.com/2009_04_19_archive.html

Fonte: Jack Daussy, Fécamp

Rui Amaro

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PRATICANTE A PILOTO NÁUTICO NOMEADO CAPITÃO INTERINO (Parte lV)


EXCERTOS DO DIÁRIO NÁUTICO DA BARCA “AMÉRICA”


A barca AMÉRICA encalhada junto da capela de São Pedro da Afurada, Gaia, devido a ter sido levada rio abaixo na grande cheia do rio Douro de 1909 / postal ilustrado da cheia /.

PORTO / NEWPORT
Derrota que com o favor de Deus pretendo fazer deste porto da cidade do Porto para o de Newport a bordo da barca AMÉRICA de que é capitão José Ançã; piloto António Pinto da Costa; contramestre António Moura dos Santos, cujo navio leva 14 pessoas de equipagem, demandando 17 pés de água e carregado de toros de pinheiros.
Hoje, 02/10/1901, às 13h00, principiamos a desamarrar com a ajuda do prático da barra, e às 16h00 achando-se o navio em franquia pegamos o cabo de reboque do vapor VELOZ, o qual nos rebocou para fora da barra e ás 19h00 largamos o mesmo. E mareamos com todo o pano sob vento de NNE bonançoso e às 20h00 marcamos o farol da Sra. da Luz ao rumo E4SE na distancia arbitrada de 10 milhas sendo a variação 20 NO.


O vapor VELOZ conduz a barca BELLA FORMIGOSA, que regressa ao Porto a 12/08/1900, procedente de Pensacola, Florida, após uma passagem de 44 dias / foto de autor desconhecido /.

04/10/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera de nuvens soltas dando alguma chuva. Avistaram-se alguns navios navegando para SO. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos leve a salvo.
10/10/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte de aguaceiros e atmosfera de nuvens soltas. Uma galera de quatro mastros à vista. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos leve a salvo.



Diário náutico da barca NANNY

14/10/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte de aguaceiros. Atmosfera carregada. Avistaram-se 3 navios por nosso sotavento. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos leve a salvo.
16/10/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera escura. Das 19h00 em diante principiaram a aparecer muitos faróis de barcos de pesca e à 22h00 pedimos a longitude a um lugre russo, o qual nos deu 09.29gr. Sem mais novidade - O Coração de Jesus nos leve a salvo.
18/10/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera encarriçada. Às 16h00 avistamos a ilha de Lundy e às 24h00 marcamos a ponta Norte da ilha a ENE. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos leve a salvo.
19/10/1901 – Às 03h00 recebemos o cabo de reboque do vapor CONQUEROR e às 13H00 demos fundo diante de Cardiff. Às 20h00 suspendemos, seguindo para Newport onde entramos na doca Alexandre às 23h00, tendo sido visitados pelas autoridades portuárias, e assim fecho a minha derrota.
Visto Consular:
Visto. Vice-consulado de Portugal em Newport, 15 de Novembro de 1901. B.C. Amaral, Vice-cônsul.
NEWPORT / PORTO
Derrota que com o poder de Deus pretendo fazer deste porto de Newport para o da cidade do Porto no sobredito navio, de que é capitão José Ançã; piloto António Pinto da Costa; contramestre António Moura dos Santos, cujo navio se compõe de 14 pessoas, e vai carregado de carvão e não sobrecarregado, demandando 19 pés de água.
Hoje, 15/11/1901, achando-se a barca AMÉRICA na doca Velha, bem estanque de quilha e borda, bem aparelhada, equipada e munida de tudo quanto é preciso para empreender qualquer viagem. Às 21h00 veio o vapor de reboque, que nos rebocou para fora da doca, e seguimos a reboque até à ilha Lundy.
16/11/1901 – Às 10h00 largamos o cabo de reboque e mareamos com todo o pano com vento de SE bonançoso e mar bom e prosseguimos para o nosso destino. Às 11h00 marcamos a ponta do Norte da ilha de Lundy ao rumo de NE4E em distancia arbitrada de 10 milhas, e fiz o meu ponto de partida.
Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera enevoada. Passaram diversos vapores para E e para O. Sem mais novidade - O Coração de Jesus nos leve a salvo.


Porto comercial da cidade do Porto, cerca do ano de 1900 / foto de autor desconhecido /.

19/11/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera encoberta. Três navios à vista, uma galera, uma barca e um lugre, todos para E. Sem mais novidade - O Coração de Jesus nos leve a salvo.
21/11/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera clara. Uma galera à vista. Sem mais novidade - O Coração de Jesus nos leve a salvo.
24/11/1901 – Navegamos como acima mostro. Horizonte e atmosfera clara. Às 05h00 avistamos o farol da Sra. da Luz ao rumo de SE magnético na distância arbitrada de 6 milhas e às 22h00 recebemos o piloto prático. Sem mais novidade - O Coração de Jesus nos leve a salvo.
25/11/1901 – Às 11h00 o rebocador VELOZ pegou à proa, e seguimos para a barra da cidade do Porto, entrando às 14h00, e recebemos a competente visita da autoridade sanitária e aduaneira e assim fecho a minha derrota, que na Graça do Coração de Jesus me correu bem.
Termo da derrota: Declaro que estas derrotas foram feitas pelo praticante Francisco de Oliveira Alegre a bordo da barca AMÉRICA. Porto, 26 de Novembro de 1901. Assina José Ançã (capitão).
Visto da Autoridade Marítima:
Capitania do porto do Porto, 20 de Novembro de 1901. Assina J.N. (Adjunto servindo de capitão do porto).
Rui Amaro



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