sexta-feira, 15 de agosto de 2008

« COMO OS PILOTOS CONDUZIAM OS NAVIOS QUE LHES ESTAVAM CONFIADOS DE LEIXÕES PARA O DOURO COM NEVOEIRO CERRADO - 2 »


BARRA À AMARRAÇÃO EM GAIA

Vapor Dinamarquês JAKOB MAERSK (1) nos seus primeiros anos / Copyright - Cortesia "The Danish Maritime Museum - Elsinore" /.


O nevoeiro fechado persistia. Cerca da 13h30, a pequena lancha P7, conduzindo, não o senhor piloto-mor como era usual, mas sim o sota-piloto-mor, seu adjunto, abordou o JAKOB MAERSK, e aquele graduado disse ao piloto para perguntar ao capitão se ele concordava entrar, porque no rio o tempo estava reluzente. O capitão que já conhecia os meandros da barra e tinha bastante confiança nos seus práticos, pelas muitas viagens que vinha fazendo ao Douro, disse que concordava.
Em face dessa concordância e porque o sinal de bandeiras içadas em terra não era visível, o sota-piloto-mor deu ordem ao piloto para iniciar a manobra e se fazer à barra, que estava ali a cerca de 200 metros, pois logo após o KEPLER a ter demandado, o piloto resolveu suspender e foi fundear mais próximo da bóia da barra. O graduado também lhe dissera, que o resultado das sondagens realizadas, pela manhã, no banco arenoso do Ouro não foram nada animadoras, pelo que convinha encostar um pouco à margem e ainda que o vapor português CORTE REAL, navio de porte semelhante ao do JAKOB MAERSK, já tinha piloto a bordo para largar.
Dado que a visibilidade era nula. O piloto não se podia orientar pelas usuais balizas de enfiamentos em terra, que eram as seguintes: 1 - Três Orelhas (parede alta existente no mato da Granja, Sobreiras, com três pilares na parte superior) também identificada por Marca Nova do Mato pelo Anjo (abóbada branca do ermida-farol de S. Miguel-o-Anjo, Cantareira), cujo enfiamento era marcado por 78 graus Nordeste; 2 – Três Orelhas pela Marca Nova da Cantareira (farolim sobre coluna de ferro). 3 – Casa da Quinta (Antigo palacete do Vareta, Sobreiras) pela já referida ermida-farol, também chamada do Anjo. Em face dessa circunstância, a lancha foi-se colocar junto da bóia da Barra também conhecida pela bóia da Ponta do Dente, a fim de assinalar com a sua buzina, essa baliza. Em tempos idos, com mar e águas de cheia, houveram embarcações que corriam, demasiadamente a bombordo e as amarras daquela bóia pegavam-se no hélice ou no cadaste, originando graves avarias, quando não perda total da própria embarcação.
Virado o ferro de bombordo, o capitão por ordem do piloto, instruiu o imediato para deixar os ferros a prumo, ou seja descativados e prontos a largar à primeira ordem, não fosse o navio desgovernar. Situação muito frequente no Douro. Na verdade o piloto, já avisado pelo capitão, lá tinha as suas razões, porque o vapor, embora bom de máquina, desfazia bastante para bombordo e era preciso não perder tempo e compensar leme a estibordo. Passada a bóia da barra, já com a névoa a desvanecer, o piloto ordenou leme a meio e logo de seguida desgovernou, demasiadamente a bombordo, indo sobre a sinistra pedra do Touro, localizada no topo Leste do cais Velho ou do Touro. O piloto, a fim do vapor governar melhor, ordenou marcha avante força e leme todo a estibordo e logo de seguida aliviou leme a bombordo e marcha avante devagar, para o navio não bater de popa na pedra da Gamela, e de leme a meio lá seguiu para montante, já com os céus resplandecentes.
Passado o pontal da Cantareira, também conhecido por cais do Marégrafo, do Relógio ou dos Pilotos, a lancha P8, que ia auxiliar na amarração, transportando um ancorote à proa, abordou o vapor, a fim de lhe ser passado um cabo para seguir a reboque por bombordo. Uma questão de poupança de combustível, como hoje em dia se ouve falar.
Entre as bóias da Cantareira e Areeiro, esta também denominada do Cabeço, meteu leme a bombordo e logo de seguida a meio para passar com a bóia de Sobreiras por estibordo e a da Ínsua do Ouro por bombordo, daí para cima não existiam mais bóias, como agora.
Como na passagem pela estação da Sanidade Marítima, junto do estaleiro do Ouro, não era precisa a visita do médico, porque o navio procedia de Leixões, onde já recebera livre-pratica, e dado o elevado calado do vapor, seguiu de marcha moderada, o mais chegado a norte, à margem do lugar do Gás, onde se encontra o banco de areia do Ouro, um dos de menor água do porto do Douro, onde já ocorreram encalhes em cima do canal de navegação, devido a imprevistas deslocações das areias. Passado o perigo mandou dar mais força na máquina e leme um pouco a estibordo, a fim de ganhar o meio do rio e de seguida meteu leme a meio e marcha avante devagar, a fim de seguir para montante.
Contudo, quando após passar pelo petroleiro português PENTEOLA, atracado à prancha da Shell, no lugar das Dezoito Braças, o ponto mais fundo do rio, juntamente com o lugar de Entre Pontes, D, Luis e Maria Pia, e já com o vapor CORTE REAL, no lugar das Escadas da Alfandega, a iniciar a manobra de largada, o JAKOB MAERSK começou a desgovernar, perigosamente para bombordo, sobre as pedras do Galho, situada na perpendicular norte da mais tarde construída Ponte da Arrábida, o piloto mandou meter leme a estibordo e avante força, não resultando, faz largar o ferro de estibordo e máquina toda força à ré, porém não obedecendo ao leme, o piloto não hesitou, e ordena que se largue também o ferro de bombordo, ficando ambos com cerca de duas manilhas aos escóvens e o vapor acabou por endireitar e ir ao meio do rio. Em face da situação, a lancha P8 largou por mão o cabo que a ligava ao vapor e afastou-se para o largo, indo depois pairar diante do cais das Pedras.
Virou-se ambos os ferros, e avante devagar foi dar fundo, frente ao lugar de Massarelos, com uma manilha de amarra e de máquina à ré devagar, a fim de aguentar o navio estabilizado, porque a estofa da maré de enchente, ainda não parara, para aguardar a passagem do CORTE REAL, que acabou de desandar, com auxilio do VOUGA 1º, rebocador da empresa associada do seu armador da praça de Ponta Delgada. Entretanto o JAKOB MAERSK acabando de suspender e como está mais metido de calado, deu um apito curto, que é repetido pelo CORTE REAL, sinal que ambos se vão cruzar bombordo com bombordo.


Vapor Português CORTE REAL, Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada. /(c) Foto de autor desconhecido - Colecção de F.Cabral/.


Naquele lugar de Massarelos, encontravam-se amarrados no respectivo quadro os lugres bacalhoeiros da praça do Porto e no lugar do Cavaco e Vale da Piedade, alguns lugres de Aveiro e Figueira da Foz, aguardando melhor maré nas suas respectivas barras, todos eles chegados à poucos dias dos mares dos Grandes Bancos. Na prancha dos Pescadores, viam-se os vapores de pesca de arrasto MACHADO, FAFE e ALCACER, e ainda quatro traineiras da arte de arrasto em parelha, realizando a descarga do produto das suas marés.
Agora o JAKOB MAERSK de máquina avante meia-força acabou de retomar a sua rota e passou pelo meio de uma enorme azáfama das fainas fluviais, com barcas, iates, lugres e vapores amarrados aos pares e tratando das suas operações comerciais e cruza outro local critico do rio, particularmente em ocasiões de águas de cheia, que é o lugar das Lobeiras de Gaia, penedia a Sul estendida para o estreito canal de navegação e o banco de areia da Porta Nova, Banhos ou Porto-A, localizado a Norte. Um simples descuido ou guinada a ambos os bordos poderia originar um acidente, e aqui iniciou-se a manobra de amarração.
O vapor passou o lugar da Cruz, local onde hoje está instalado o único estaleiro do rio Douro, de máquina avante devagar e fez sinal à lancha P8 para emanilhar o ancorote dos pilotos ao cabo de arame fornecido pelo vapor, que iria ser lançado pela popa. Meteu leme a bombordo e logo a seguir a meio e o imediato que subiu à ponte de comando recebeu instruções rigorosas do piloto e do capitão sobre os procedimentos da manobra a realizar, que se poderia considerar critica. Entretanto a corrente de enchente estava prestes a parar e o piloto fez sinal à lancha para largar o ancorote à popa pelo Noroeste, a fim de aguentar o vapor de popa e evitar que fosse colidir com a ponte.
Findo a tarefa do ancorote, a lancha P8 foi-se colocar junto da proa do vapor, a fim de orientar o piloto, quanto à distância e o momento de mandar largar os ferros. O mestre daquela lancha fez o sinal indicativo, que a roda de proa estava na distancia mínima do tabuleiro inferior da ponte e o piloto mandou largar o ferro de bombordo e máquina à ré e pouco depois largou-se o ferro de estibordo, ferros que se foram arriando até o sino à proa sinalizar três manilhas aos escovéns. Caso a maré já estivesse de vazante, tratava-se primeiro de largar os ferros à proa e só depois é que se lançava o ancorote dos pilotos pela popa, porque não havia o perigo do vapor ir colidir com o tabuleiro da ponte.
Muitos anos antes, haviam pilotos, que optavam por um tripulante da catraia a remos dos pilotos, usualmente eram os moços. Colocavam-se no castelo da proa e quando a roda de proa estava a pouca distância do tabuleiro, com os braços faziam sinal para o piloto na ponte do comando e este mandava largar os ferros. O pai do autor, que aos 11 anos já era moço de pescador e das embarcações dos pilotos, com a idade de 12 anos muitas vezes foi incumbido dessa tarefa, isto por volta de 1911, e que lhe serviu de muita experiência quando admitido a piloto da barra.
Pela ré estavam amarrados lado a lado, o vapor Inglês PROCRIS e o navio-motor Norueguês SEVILLA, ambos operando com barcas, pelo que o JAKOB MAERSK iria ficar num espaço muito exíguo. A lancha P8 foi de seguida estabelecer dois cabos à popa e depois à proa para os peoriz em terra, os quais começaram a ser virados de bordo, a fim do vapor se aproximar mais de terra e ficar devidamente amarrado no lugar do Jones, também conhecido por lingueta ou cais do Jones. Caso estivesse prevista cheia no rio, haveria necessidade de um reforço de cabos para terra e à proa, mais amarra na água. Entretanto, o corso da vazante já se aproximava.
Terminada a manobra às 14h45, sem que antes o piloto fosse à proa e à popa verificar as amarrações, o capitão ao agradecer e elogiar o bom serviço que o piloto realizou, voluntariamente gratificou-o com 10$00 e uma lata de cigarros e a companha da lancha recebeu duas latas. O agente iria mais tarde gratificar o piloto com 30$00, pela saída de Leixões e entrada no Douro.
Entretanto, ainda o vapor não estava amarrado, já as barcas acostavam a ambos os bordos para começar a receber o carvão. Os agentes da Polícia Marítima e da Internacional, empregado da agência e os estivadores já subiam a bordo para dar início à descarga com três gangas até à meia-noite. O mestre estivador informou o piloto, que calculava completar a descarga dentro de cinco dias.
Regressada a lancha P8 à lingueta dos Pilotos, Cantareira, o piloto dirigiu-se à sua Corporação, e apresentou-se ao senhor piloto-mor, a fim de dar parte do serviço, particularmente do incidente junto da penedia do Galho, lugar das Dezoito Braças.
(Continua)
Rui Amaro