terça-feira, 18 de novembro de 2008

MESTRE MOURA – UM DEDICADO E COMPETENTE PROFISSIONAL DOS REBOCADORES DOS PORTOS DO DOURO E LEIXÕES (APDL)

Mestre Moura e o seu motorista Cordeiro, também um profissional da APDL de longa data, aqui fotografados a bordo do MONTE CRASTO /(c) Foto de autor desconhecido-Colecção Artur Santos/.
Ordem de serviço de louvor mandada passar pelo Presidente do Conselho de Administração da APDL, datada de 16/05/1983 /Colecção de Artur Santos/.

Mestre Moura, de seu nome completo Idalino Moura dos Santos, natural de Vila Nova de Milfontes, onde nasceu a 18/10/1921. Aos 13 anos de idade foi para Lisboa, fazer-se à vida e arranjou trabalho, embarcando como moço de um navio de velas, de nome VIOLETA, onde adquire a verdadeira arte de marinharia, ganhando gosto pela profissão escolhida, e é na capital que progride nos estudos para a vida de marinheiro.
Mestre Moura, que era mestre de rebocadores da SH – Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, Lisboa, numa das suas muitas vindas ao Douro conduzindo dragas de baldes ou batelões, soube que a APDL precisava dum mestre qualificado, candidatou-se e ficou admitido para mestre de um dos rebocadores, então adquiridos.
O comando do rebocador VANDOMA, 27m/155tb, foi-lhe atribuído em Setembro de 1957, a fim de ocupar a vaga deixada pelo Mestre Francisco António Rosa, entretanto falecido, que foi o primeiro mestre daquele rebocador da APDL, o qual fez parte da equipagem, que o conduziu da Holanda para o rio Douro em 1949, ainda como ST-745.
Em 1963, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, é posto a flutuar o novo e bem projectado rebocador MONTE CRASTO, 28m/139tb, encomendado pela APDL, e como mestre mais antigo e experimentado é confiado a Mestre Moura o seu comando. Aquela moderna unidade, além de estar preparada para o serviço portuário, já tinha estrutura suficiente para enfrentar mar de tempestade. Uma lacuna, que desde sempre se fez sentir na costa Norte de Portugal, nomeadamente nos portos do Douro e Leixões, exceptuando o antecessor do VANDOMA, o velhinho TRITÃO, 33m/172tb, construido em Inglaterra em 1888, que apesar de estar mais vezes amarrado no rio Douro, lá fazia o melhor que podia quando veio para Leixões, e a presença de rebocadores salvadegos de nacionalidade estrangeira, que por vezes faziam estação no porto de Leixões, tais como os Alemães NEWA e SEEFALKE; Dinamarqueses VALKYRIEN e GEIER; Noruegueses SALVATOR e HERKULES: Espanhol FINISTERRE; Sueco HERAKLES e um ou outro rebocador holandês da NV Bureau Wijsmuller ou da L. Smits Co’s Int.
Com a construção do novo terminal de petroleiros e dos novos cais comerciais, que chamaram ao porto de Leixões navios de maior deslocamento, nomeadamente os petroleiros, a APDL viu-se na necessidade de possuir unidades mais modernas e sofisticadas para as respectivas manobras, razão porque encomendou aos estaleiro Belga Chantier Naval St. Pieter NV, Hemiksen, dois rebocadores de maior porte e inovador sistema de propulsão “Voigtschneider”, que dá melhor poder de manobralidade, além de se poderem fazer ao largo em ocasiões de mar de procela, como na noite de 28/12/1978, aquando do afundamento do navio-motor Cipriota TENORGA, 105m/3.607tb, no enfiamento do porto de Leixões, diante do Castelo do Queijo, e a 13/01/1972, por ocasião do naufrágio do vapor Panamiano OWENDUV, 59m/734tb, a 10 milhas ao largo daquele porto, entre outros casos.
Esses dois rebocadores, que foram construídos em 1970, passaram a ser comandados, o MONTE DO LEÇA e MONTE SÃO BRÁS, 34,5m/296tb, respectivamente por Mestre Moura e pelo seu compadre Mestre Artur, também um experimentado profissional de rebocadores, ou alternadamente pelos dois. Coube ao MONTE SÃO BRÁS, da responsabilidade de Mestre Moura, ter sido o primeiro a chegar a Leixões em 23/03/1970, e consta que ele voltou à Bélgica para trazer o MONTE DO LEÇA, entrado em Leixões cerca de um mês depois, muito possivelmente acompanhado por um capitão da marinha mercante. As duas tripulações estiveram na Bélgica cerca de um a dois meses em formação e adaptação ao novo sistema de governo e propulsão, que consistia de dois lemes síncronos, ou seja sem hélice clássica mas dotado de um sistema de pás verticais (como se fosse de uma varinha mágica), que asseguram a propulsão e o rumo, conseguindo fazer uma rotação de 180 graus, como se a embarcação rodasse sobre o seu próprio eixo. E o facto é que roda!
Recordo aqui, o encalhe do navio-motor Português COLARES, 74m/1.158tb, na barra do Douro, enrocamento do cais do Velho, em 04/02/1954, e Mestre Moura lá estava presente com o seu VANDOMA, coadjuvado pelo MONTALTO, 23m/102tb, a puxarem à popa, e pelo rebocador fluvial MERCURIO 2º, 16m/33tb, à proa, tendo as operações de resgate do COLARES, sido coroadas de êxito na maré da noite, culminadas com uma estrondosa salva de palmas acompanhada de vivas da enorme multidão de curiosos, que assistia nas imediações, aos trabalhos do desencalhe.
A 18/02/1962, rio Douro, o VANDOMA colabora com o salvadego Alemão WOTAN, 57m/726tb, na reflutuação do navio-motor Inglês LANRICK, 74m/570tb, que devido à grande cheia de Janeiro de 1962, ficara encalhado na estrada da margem esquerda, lugar de Santo António do Vale da Piedade, tendo os trabalhos sido coroados de pleno êxito.
A 17/03/1963, no baixio do Cabeço da barra do Douro, encalha o vapor Liberiano SILVER VALLEY, 125m/7.161tb, que procurava o porto de Leixões, e juntamente com outras embarcações lá marcava presença o VANDOMA. Mestre Moura fez várias tentativas para resgatar os 27 náufragos, mas era-lhe completamente impossível a abordagem, devido à forte rebentação que rodeava o naufrágio, apesar da barra estar aberta à qualquer tipo de navegação. É que naquele temido baixio, quase sempre se faz sentir ondulação de cuidados, acabando a tripulação em dificuldades por ter sido salva por dois helicópteros, vindos, propositadamente da base aérea do Montijo.
A 30/03/1965, pelas 21h30, quando se fazia à barra de Viana do Castelo, seu porto de registo, conduzindo um batelão de dragados da SH – Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, Lisboa, que viera buscar ao rio Douro, afundou-se o rebocador RIO VEZ, 23m/102tb, devido a um inesperado golpe de mar, perecendo tripulantes. Os dois camaradas do batelão conseguiram largar os ferros, e lá se aguentaram a bordo toda a noite, sem que qualquer socorro se pudesse aproximar, devido ao mar enfurecido. Logo que a triste noticia chegou às autoridades marítimo-portuárias de Leixões, foram dadas instruções ao Mestre Moura para rumar ao local do desastre, a fim de recuperar o batelão e salvar os dois tripulantes, o que se realizou com êxito, no dia seguinte.
A 03/11/1968, de madrugada encalhava junto à barra do Douro, pelo Sul da restinga do Cabedelo, o navio-motor Búlgaro VARNA, 92m/1.935tb. que era esperado no porto de Leixões, acabando, meses mais tarde, por ser desmantelado por sucateiros e pela acção do mar. Na reunião, que teve lugar na estação de pilotos da Foz do Douro, das autoridades marítimo-portuárias, capitão do navio, armador e seu agente, segurador, também esteve presente Mestre Moura, a fim de dar a sua opinião para o salvamento do navio.
Assistência e rebocagem de navios e traineiras em dificuldade ao largo da costa, ou na bacia e doca do porto de Leixões em dias de borrasca, nomeadamente navios idos de garra ou com rebentamento das amarrações, lá estava presente mestre Moura com os rebocadores de seu comando, por quem os mareantes, particularmente os pilotos da barra tinham a maior das confianças. Idas aos portos vizinhos de Aveiro e Viana do Castelo para assistência de navios de grande porte, sobretudo para manobras em docas secas, era comum.
Conheci Mestre Moura, pelas minhas andanças desde criança pelos cais de Leixões e mais tarde na minha actividade profissional no atendimento dos navios consignados à Garland, Laidley/Vesselmar, e notava que era um mestre bastante experiente e de um porte impecável.
Só dialoguei com ele uma única vez, por causa de um acidente com o vapor Brasileiro LILY, 108m/3.883tb, fretado ao armador L. Figueiredo Navegação, SA, Santos, que estava ao meu cuidado durante a sua estadia no porto de Leixões.
O LILY, que procedia de Manaus e Ilhas do Amazonas via Belém do Pará, com toros de madeira, piaçaba e produtos exóticos, após a sua entrada no porto de Leixões, quando manobrava para atracar à muralha da doca 2 – Sul, auxiliado pelos rebocadores VANDOMA e MONTALTO, respectivamente pegando à proa e à popa, quando já de proa ao cais, o prático José Teixeira Lencastre ordenou marcha avante devagar, porém inexplicavelmente aquele vapor acelerou avante força toda, e apesar dos esforços de mestre Moura e do seu colega do MONTALTO para conter o embate, o LILY colidiu estrondosamente contra a muralha, ficando com a roda de proa metida dentro, ao nível do cais. Felizmente abaixo da linha de água não houve danos. Quanto ao cais sofreu estragos de pouca monta.
Os dois rebocadores, realizando uma manobra rápida, meteram máquina avante toda força e a borda do VANDOMA, devido ao esforço exercido, já estava a ficar debaixo de água, alagando o convés de estibordo, o que é sempre um perigo. Rebocadores houveram que submergiram devido a situações destas.
O chefe de máquinas, quando veio a terra verificar as avarias, exclamou, só isto!? A oficina de terra repara isso e assim passa-se mais uns dias em Leixões! E, passou mesmo, foram dez dias, porque o oficial engenheiro da capitania e o perito do Lloyds não autorizaram a saída do navio sem a reparação provisória ter ficado, devidamente concluída.
Dotado de uma grande habilidade para modelagem de embarcações, Mestre Moura, nas pausas de serviço, modelou uma miniatura do seu rebocador VANDOMA, a qual se encontra de posse de seu filho Artur Santos.
Durante cerca de dez anos, desde a “Revolução dos Cravos”, nada que tivesse a ver com o regime anterior, muito pelo contrário, a carreira do Mestre Moura na APDL não foi de todo muito pacífica até à sua aposentação em 1983. Em Abril de 1974, Mestre Moura encontrava-se embarcado no rebocador, que lhe fora confiado, com a categoria de Mestre Marítimo de 1ª Classe, passando de seguida a Mestre Marítimo Principal, contudo pouco depois foi nomeado a titulo provisório, pela Administração, contra sua vontade, Chefe do Movimento e Tráfego Marítimo da APDL, e desde então com as constantes alterações dos quadros de pessoal, e com alguma confusão própria daqueles tempos do pós-revolução, passou a ser designado como Mestre de Tráfego Local de 1ª classe, mas sempre desempenhando as funções de Chefe do Movimento e Tráfego Marítimo da APDL até que em 1983 incomodado com aquela situação, requereu a passagem à aposentação com alguma amargura. Durante esse período de continuado vaivém de nomeações, jamais deixou a actividade dos rebocadores, e ainda era muitas vezes solicitado, particularmente por um armador de um rebocador de grande porte da praça de Setúbal, para fazer serviços de reboque entre Setúbal, Lisboa e Douro/Leixões, como seu mestre. Finalmente em 1983 foi-lhe concedida a aposentação, após mais de 33 anos de actividade na APDL, tendo desempenhado funções nos Serviços Marítimos com zelo, competência, dedicação e por vezes até com risco da sua própria vida, conforme atesta o louvor exarado na Ordem de Serviço datada de 16/05/1983, por ordem do Presidente do Conselho de Administração da APDL. Mestre Moura faleceu 16/04/2003.
Parte deste meu trabalho, de que me orgulho por vir relembrar a figura de Mestre Moura, que embora natural do Sudoeste Alentejano, eu por mim, passo-o a considerar como um Ilustre Marítimo Nortenho, o qual com a sua dedicação, saber e competência profissional contribuiu para o engrandecimento dos portos do Douro e Leixões, só foi possível em parte graças à vária documentação, que me foi cedida por um dos seus filhos, Artur Santos, natural de Leça da Palmeira, porém a residir em Alverca do Ribatejo, devido à sua actividade profissional. O outro filho continua em Leça da Palmeira, havendo netos na região do Porto.
Fontes: Artur Santos, Imprensa diária e APDL.
Rui Amaro
Frota de rebocadores da APDL em 1963, atracados na doca nº 1 Norte - topo Oeste, vendo-se da esquerda para a direita: MONTE CRASTO, MONTE GRANDE, MONTALTO e o VANDOMA. /(c) Brochura da APDL/


Rebocador MONTE CRASTO na doca nº 1 Norte, em 1963 /(c) Foto de autor desconhecido-colecção Artur Santos/.

Responsáveis da APDL e convidados a bordo do rebocador MONTE CRASTO, vendo-se o Mestre Moura à direita /(c) Foto de autor desconhecido - colecção Artur Santos/.

O navio-motor Português PORTO sai a barra de Viana do Castelo, após ter sido posto a flutuar em 20/10/1967, vendo-se o rebocador MONTE CRASTO colaborando nas manobras /(c) Foto de autor desconhecido - colecção de Artur Santos/.

O rebocador MONTE SÃO BRÁS demandando o porto de Leixões em 20/02/1972/(c) Foto de Rui Amaro /.

A tripulação a bordo do seu rebocador MONTE DO LEÇA, vendo-se Mestre Moura à direita /(c) Foto de autor desconhecido - colecção de Artur Santos /.

O famoso rebocador salvadego dinamarquês VALKYRIEN, Em. Svitzer's - Copenhaga, preparando-se para amarrar no ancoradouro do Monchique, rio Douro, 20/12/1935 /(c) Foto de autor desconhecido - colecção de Reimar/

O navio-motor Inglês CROSBIAN encalhado no lugar dos Arribadouros, rio Douro, em 08/11/1956. O rebocador VANDOMA da APDL e o GUADIANA da SH, aguardam o momento de auxiliar nas manobras de desencalhe. dirigidas pelo piloto Armando Ferraz, de serviço ao navio. Curiosamente o Guadiana em tempos também deve ter sido dirigido pelo Mestre Moura / (c) Foto de autor desconhecido - Colecção F. Cabral /.

O momento do desencalhe do navio-motor Inglês LANRICK, pelo salvadego Alemão WOTAN e pelo rebocador VANDOMA no Rio Douro, em 18 /02/1962 / gravura de noticia do JN /.

O vapor Liberiano SILVER VALLEY encalhado e alquebrado no cabeço da barra do Douro, rodeado de ondulação perigosa em 16/02/1963, já com a tripulação resgatada por dois helicópteros vindos propositadamente do Montijo /Gravura de noticia de O Primeiro de Janeiro /.

O navio-motor Inglês TALTHYBIUS, 139m/7.671tb, (Victory ship), Blue Funnel Lines, Liverpool, cruzando de largada a ponte móvel do porto de Leixões, assistido pelo rebocador VANDOMA, ano de 1965 /(c) Foto de Rui Amaro /.

2 comentários:

Rui Amaro disse...

Mensagem recebida do Amigo Artur Santos, filho de Mestre Moura

Caro Rui Amaro,
É a tal cereja...., extraordinário, obrigado.
Gostaria que o meu comentário a seguir fosse "postado" com a sua concordância.
Não tenho o dom da escrita que o Rui Amaro possui mas é do coração.
Obrigado
COMENTÁRIO
A história sobre o Rebocador Vandoma ficou agora mais completa com esta brilhante dissertação sobre um dos seus Mestres que bem serviu a APDL no desempenho das suas funções quer no rebocador Vandoma quer noutros. É o culminar de um objectivo que eu como filho desse Mestre difícilmente conseguiria expor como o Rui Amaro o fez.

Deixe-me dizer Rui Amaro que o Sr., com o seu vasto conhecimento, resultado de estudos e muita dedicação leva a "postar" neste blogue extraordinárias histórias a troco de nada, homenageando os homens do mar , embarcações, e suas aventuras. Os seus comentários sábios, muitas vezes funcionando como recomendações são contagiantes ao entusiasmo sobre os temas marítimos.

Obrigado Rui Amaro,

Artur Santos

JOSÉ MODESTO disse...

Uma vez mais o nosso Rui Amaro prossegue a Arte do Shipping. São relatos de verdadeira e pura História sobre os nossos homens do Mar.

Rui Amaro é uma referência no Shipping, é um EXCELENTE PROFESSOR.
Obrigado Rui pelo teu enorme contributo... eu sempre a aprender contigo.

Abraço Amigo do José Modesto