domingo, 27 de abril de 2008

RECORDANDO O ENCALHE DO NAVIO-MOTOR "DIONE" NA BARRA DO PORTO DE VIANA DO CASTELO

Já no mês de Dezembro, algumas semanas após o encalhe do navio-motor CARAMULO, outro incidente surgira na barra do porto de Viana do Castelo, desta vez com o navio-motor português DIONE, curiosamente ambos pertencentes ao mesmo armador.
Dia 18 – A “Tornada”, exíguo canal de entrada do porto de Viana do Castelo, onde traiçoeiras areias, que se moviam conforme a agitação marítima e as correntes, tantos perigos representavam, o que se afigurava um autêntico quebra-cabeças para os pilotos da barra, por mais sondagens que realizassem, provocara mais um sinistro marítimo na barra, certamente sem consequências de maior, mas que causou apreensões, pois o crescer das vagas, pelo preia-mar, poderiam ter inundado os porões e fazer com que a embarcação se perdesse.
Pois, de véspera aquele navio mercante saíra de Setúbal para o porto minhoto, trazendo um carregamento de mil toneladas de sal destinado à casa João Alves Cerqueira & Cia., Lda., daquela cidade, para abastecimento do distrito.
O navio estava à barra, pouco depois das 12 horas, pedindo piloto; e embarcado este, esperou a preia-mar das 15 horas, para demandar a barra. A manobra fez-se com regularidade, mas ao transpor a “Tornada”, já muito perto do anteporto, o navio desgovernou e encalhou de proa nas areias que ali estavam depositadas e pode-se mesmo afirmar por falta de dragagens regulares. Dado o alarme, imediatamente acorreu o rebocador RIO VEZ, da Junta Autónoma, assim como o salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL e ainda a lancha dos pilotos, levando a bordo o piloto-mor Sr. Jorge Teixeira dos Santos. Por precaução e para evitar que o navio fosse cair sobre a praia ou o cais do Cabedelo, foi passado um cabo de arame, que ficou preso ao cais do Bugio.
Entretanto, o RIO VEZ passava também, um cabo de reboque à proa do DIONE e desde logo passou a fazer tentativas de safar o navio. A maré estava na preia-mar e era de supor que o navio com a sua própria máquina trabalhando a pleno e o rebocador puxando no seu máximo, o navio se safasse. Infelizmente todos os esforços resultaram por inúteis e, assim, todos os cuidados dos pilotos, capitão e tripulação acabou por se resumir a evitar a entrada de água nos porões, o que a acontecer seria desastroso.
O perigo era grande porque o navio, bastante comprido e muito metido, se encontrava literalmente atravessado à entrada da barra e de través para o forte da rebentação, ondas enormes varriam o convés de borda a borda. O intento dos responsáveis a bordo foi plenamente obtido, a maré começou a vazar e até à próxima subida, deixara de haver perigo.
Durante a noite, foi levada para bordo um terno de estivadores, para alijar carga, se necessário, completamente, contanto que se conseguísse safá-lo. A manobra por estar bastante vaga e chover a cada passo, tornava-se difícil e arriscada, mas só ela permitiria safar o navio e salvá-lo, pelo que estavam a ser tomadas todas as medidas de segurança nesse sentido.
Entretanto, os arrastões bacalhoeiros Vianenses SENHOR DOS MAREANTES e SENHORA DAS CANDEIAS, que, depois de terem aliviado carga em Leixões, pairavam ao largo da barra, aguardando maré e sobretudo, que o DIONE deixasse de bloquear o canal de navegabilidade.
Tanto o Sr. Comandante Aragão, capitão do porto, como o patrão-mor e a corporação dos pilotos, estavam atentos a tudo quanto se passava e esperava-se que o sinistro se resolvesse sem mais percalços.
Dia 20 – Entretanto, o navio ainda se encontrava encalhado, mas a hipótese de o salvar, ainda prevalecia. As esperanças de o por a flutuar dependiam dos astros; é que se o tempo se mantivesse bonançoso, durante duas ou três semanas, até às chamadas marés grandes, haveria todas as possibilidades do DIONE se poder libertar das areias; mas se o mau tempo regressasse, poder-se-ia dar como certo que o navio seria arrastado contra o cais do Cabedelo e iria desfazer-se na praia. Árdua foi o trabalho do capitão do porto, de toda a corporação dos pilotos e restantes auxiliares durante três dias e três noites, em que ninguém descansou para salvar o navio.
Entretanto às duas horas da madrugada, os trabalhos recomeçaram com grande azáfama em toda a área portuária, porque se considerava como a última das actuais marés, a tentativa que se ia fazer.
Assim, precisamente às 5 horas, tudo estava a postos – os rebocadores RIO VEZ e o VANDOMA, este vindo, propositadamente de Leixões, com os cabos esticados, para, no momento preciso do pico da preia-mar, com os seus motores lançados a toda a força, tentarem, efectivar a flutuação. Para tanto, prosseguía o alijamento de toda a carga do porão da ré, por ternos que trabalhavam dia e noite, mas mais uma vez todos os esforços despendidos resultaram por inúteis; o navio mexia a proa e a ré, mas a meia-nau permanecia bem enterrada na areia e não se movia um palmo.
Durante quinze a trinta minutos, os esforços persistiam, mas, por fim, o capitão do porto e o piloto-mor, ordenaram que os trabalhos cessassem, porque a vazante já começara e já não havia esperanças de nada se conseguir fazer, tendo de se aguardar pelas marés grandes do principio do ano, novas tentativas para safar o DIONE.
Então, a ideia era continuar a alijar a carga da ré, até que essa parte do navio ficasse inteiramente vazia, e, depois, proceder-se-ia à revisão do fundo, no sentido de serem tapados os rombos ali existentes, mas toda a carga da proa seria mantida, pois sendo uma embarcação que, quando vazia, pende para a ré, havia toda a conveniência em manter toda a carga do porão de vante para estabelecer um maior equilíbrio e permitir mais facilmente a sua flutuação, quando se fizessem as novas tentativas de o safar.
Dia 23 – O caso do sinistro do navio-motor DIONE, acabou por ter um desfecho quase teatral, pois quando a maré atingia o seu ponto alto, aquele navio começou a navegar pelos seus próprios meios pelo estuário do rio Lima,
De bordo foi, imediatamente, chamada a atenção de terra e o capitão do porto ordenou ao rebocador RIO VEZ, que se dirigisse para junto do DIONE, a fim de lhe prestar a devida assistência, ao mesmo tempo que os bombeiros municipais, com moto bombas, se aprestavam para entrar a bordo, a fim de esgotar a água que se encontrava nos porões. Na preia-mar, cerca das 19 horas e meia, o DIONE foi trazido para o anteporto, com geral satisfação das poucas pessoas que presenciavam tão inesperado como sensacional acontecimento. O navio ficou acostado ao cais dos Estaleiros Navais, à espera que lancha de fiscalização NRP CORVINA, que se encontrava em fabricos, cedesse o seu lugar para que o DIONE entrasse em doca seca, a fim de ser vistoriado pela autoridade marítima e os rombos no seu fundo pudessem vir a ser colmatados.
Entre os vários acidentes ocorridos na barra, e muitos bastante trágicos com perda de valiosas vidas, caso do rebocador RIO VEZ e do salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, além de vários barcos de pesca, houve o encalhe do navio balizador NRP ALMIRANTE SCHULTZ, em 1946, que ficou em seco em pleno canal de navegação e ainda o navio-motor alemão MARIAECK, em 1953, que arrombou ao embater em qualquer escolho próximo da barra.
Na ocasião, os jornais diários faziam eco da necessidade de dotar o porto de Viana do Castelo de um rebocador de potencia superior à do RIO VEZ e encaravam, igualmente o intrincado problema do assoreamento da barra do rio Lima, sobretudo promovendo-se um ritmo mais apressado às obras de quebramento das rochas e consequentes dragagens, não esquecendo o malfadado caso do cais do Cabedelo, grande responsável do muito, que então se tinha passado.
O DIONE, 61,6m/746tb, foi construído em 1951 pelos Estaleiros Navais de São Jacinto, Sarl, Aveiro, para a Empresa Continental de Navegação, Lda., Aveiro, que o empregou no tráfego costeiro nacional com eventuais escalas em Marrocos, Norte da Europa, Mediterrâneo e particularmente à Terra Nova, de onde trazia bacalhau curado para o Porto. Nos seus últimos tempos transportava apenas correio entre Leixões e os Açores/Madeira.
Fontes: Imprensa diária do Porto.

Rui Amaro

O rebocador RIO VEZ faz tentativas para safar o navio-motor DIONE. /(c) gravura de noticia de O Primeiro de Janeiro/.

O navio-motor DIONE largando do porto de Leixões em lastro a 09/10/1971. Note-se no referido caimento para ré. /(c) imagem de Rui Amaro/.

O navio balizador NRP ALMIRANTE SCHULTZ encalhado a meio da barra do porto de Viana do Castelo em 1946. /(c) gravura da noticia de O COMÉRCIO DO PORTO/.

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